O TETO DO ICMS E OS PROBLEMAS PARA A EDUCAÇÃO E A SAÚDE

Por Eric Gil Dantas, economista do Ibeps e assessor econômico do SIPROVEL

“Com o corte de impostos do ICMS, as duas áreas que mais sentirão serão sem sombra de dúvidas a Educação e a Saúde. Não só em termos estruturais mas também em termos de remuneração.”

No mês de junho, o presidente da República, Jair Bolsonaro sancionou a lei que limitou a alíquota de ICMS a valores de 17% a 18% para combustíveis, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo. Resultante do PLP 18/22, esta lei transformou todos estes produtos e serviços em essenciais, e por isto os estados não puderam mais cobrar alíquotas acima deste teto. O projeto veio no contexto de inflação de dois dígitos e preços recordes dos combustíveis desde 2021 e agravado pela guerra na Ucrânia.

Era totalmente legítimo que o Planalto e o Congresso tentassem fazer política pública para diminuir preço de combustíveis. Nos últimos dois anos o preço da gasolina chegou quase a dobrar nos postos.

Apesar de entendermos que o problema é a política de preços da Petrobras – empresa controlada pelo governo e responsável pela maior parte da oferta de combustíveis do país com insumos e indústria nacionais – não é o nosso objetivo aqui discutir seu preço, e sim as consequências dos sucessivos subsídios empregados pelo governo a fim de diminuir a inflação deste produto e que impactam diretamente nas contas dos estados e municípios, especialmente nas áreas de Educação e Saúde.

COMO O TETO DO ICMS IMPACTA A EDUCAÇÃO E A SAÚDE?

O ICMS é o principal imposto dos estados brasileiros. Em 2021, 86% dos tributos arrecadados diretamente pelos estados do país ocorreu através deste imposto. Do bolo do ICMS 17,5% vieram dos combustíveis (mais petróleo e lubrificantes) e 10% da energia elétrica, os dois mais afetados pela nova lei. No Paraná, em 2021, de todas as receitas correntes líquidas (que inclui também as transferências do governo federal para o nosso estado e outros tributos), 56% tiveram origem no ICMS – três vezes o valor que o Paraná recebeu de transferências (Fundo de Participação dos Estados – FPE, de royalties de mineração e petróleo, programas do SUS etc.).

Apesar de ser um imposto estadual, ele também é fundamental para os municípios, pois 35% do ICMS é repassado às prefeituras através da Cota-parte. Em Cascavel, 16% de toda a arrecadação entre janeiro e abril de 2022 veio da cota-parte do ICMS. Além disto, o ICMS alimenta o FUNDEB, junto a outros receitas – como o já mencionado FPE, o Fundo de Participação dos Municípios, o IPI, o IPVA, etc. E é importante pontuar que o FUNDEB foi a maior fonte individual de receitas de Cascavel nestes primeiros quatro meses – superior à cota-parte do ICMS e do IPVA, do ISS e do IPTU (outras importantes fontes de recursos).

Em síntese, é um imposto fundamental para a estrutura das contas públicas dos estados e municípios, principais ofertantes de serviços públicos. Qualquer projeto que obrigue os estados a renunciarem a parte deste tributo deve ser cuidadosamente debatido com a sociedade, o que claramente não ocorreu.

Isto foi agravado por duas coisas: 1- a União, que havia prometido compensação para queda de arrecadação do imposto, desistiu de fazê-lo; 2- o presidente vetou a emenda que havia sido aprovada por senadores e deputados a fim de garantir uma menor perda para o FUNDEB.

O QUE JÁ ESTÁ ACONTECENDO?

Como podemos ver no Gráfico 1, a arrecadação dos estados vinha em uma crescente no primeiro semestre deste ano, principalmente por conta da alta da inflação. Entre janeiro e junho de 2022, a arrecadação de todos os estados do país cresceu um montante de 17%. A lógica começa a se reverter ao longo do mês de julho, quando os estados iniciam a aplicação do teto do ICMS. Se até junho havia um crescimento robusto da arrecadação, em julho este número cai para 7,35%, e em agosto (primeiro mês integralmente sob o teto do ICMS) a arrecadação chega a ser menor relativamente ao mesmo mês de 2021. Com isto a tendência da arrecadação dos estados passa a ser de estagnação, nem mais nem menos do que arrecadava no ano passado.

Gráfico 1 – Aumento da arrecadação de tributos estaduais por mês em 2022 (comparado ao mesmo período de 2021)

Fonte: Confaz – Ministério da Economia

No caso específico do Paraná, o estado ainda teve um aumento de arrecadação entre agosto e setembro na ordem de 5%, um resultado superior ao do restante do país. Isto se deve ao fato de, mesmo com o teto do ICMS, a arrecadação deste imposto no nosso estado ter aumentado, o que não ocorreu no restante do país.

Refletindo a mesma lógica do Paraná, Cascavel também não sofreu uma subtração de sua arrecadação. Entre julho e agosto de 2022 o município ainda aumentou em 6,2% a sua arrecadação, se comparada ao mesmo período do ano passado. Mesmo assim, interrompeu a tendência de forte aumento de receitas. Entre janeiro e julho de 2022, Cascavel havia aumentado em 24% as suas receitas.

Com as receitas dos estados e municípios avançando, também tivemos um aumento nos gastos com Educação e Saúde. Dados compilados pelo Valor Econômico, a partir do Siconfi-Tesouro Nacional, mostram que entre agosto de 2019 e agosto de 2022 as despesas dos estados com Educação aumentaram em 48,5% e em Saúde 46,4%, praticamente a mesma proporção de aumento das receitas, 46,8%. Isto é, o aumento da arrecadação dos estados serviu para turbinar os investimentos necessários em Educação e Saúde. Além de serem as duas principais áreas de oferta de serviços públicos nos estados, elas também demandaram novas despesas neste contexto de pandemia (Saúde) e retorno às salas de aula (investimentos em estrutura e novos equipamentos).

EDUCAÇÃO E SAÚDE SERÃO AS MAIS IMPACTADAS

Com o corte de impostos do ICMS, as duas áreas que mais sentirão serão sem sombra de dúvidas a Educação e a Saúde. Não só em termos estruturais (unidades que abriram contando com os recursos que estavam entrando no caixa), mas também em termos de remuneração.

A LC 173/20 impediu a reposição salarial dos servidores entre 2020 e 2021, o que passou a ser negociado apenas em 2022. Além disto, também houve o reajuste do Piso Nacional do Magistério de 2022 (2021 ficou congelado) e a aprovação do piso da enfermagem. Duas demandas históricas e condizentes com um programa de valorização dos servidores públicos. Com isto, a despesa cresce, mas a receita não.

A VERDADEIRA SERVENTIA DO TETO DO ICMS

Ao fim e ao cabo, o teto do ICMS serviu para três coisas. Primeiro, preservou a política de preços da Petrobras, o PPI. Até junho de 2022 a Petrobras não conseguia cobrar o Preço de Paridade de Importação (PPI), pois gerou uma insatisfação geral dos brasileiros, e teve que manter preços no país abaixo dos preços internacionais (mesmo assim com lucros recordes, acima dos R$ 100 bilhões). Mas com a isenção de impostos sobre a gasolina, a Petrobras retomou a sua política de preços, garantindo uma rentabilidade absurda aos seus acionistas.

“Sempre que o governo isenta algum bem ou serviço, a cadeia produtiva absorve essa isenção em forma de lucro.”

Segundo, aumentou a margem de lucro de distribuidoras e postos de gasolina, como por exemplo demonstrei em estudo sobre o diesel publicado pela Folha de SP. Sempre que o governo isenta algum bem ou serviço, a cadeia produtiva absorve essa isenção em forma de lucro. Desta vez não foi diferente.

Terceiro, serviu para fragilizar as contas dos estados e municípios, revertendo a tendência de aumento dos investimentos nas áreas de Educação e Saúde.

Por tudo isto é preciso que os defensores do fortalecimento do serviço público, especialmente, da Educação fiquem de olho nas consequências de políticas inconsequentes como esta. O Estado brasileiro, nos seus três níveis, não pode se submeter às vontades individuais de reeleição de um único sujeito.

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