Economista destaca que crise econômica não surgiu com o Coronavírus e aponta soluções

Estamos vivendo em meio à uma grande crise econômica mundial. Talvez esta crise chegue a ser a maior do século, ultrapassando a de 2008. Mas há um agravante, esta crise econômica se interlaça a uma crise de sanitária global, a pandemia gerada pelo Coronavírus, que se alastra diariamente por inúmeros países. Em meio a tantos problemas e notícias, o economista do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (Ibeps), doutor em Ciência Política pela UFPR e assessor econômico do Siprovel, Eric Gil Dantas, explica a origem desta crise econômica e como poderíamos combatê-la em nosso país.

“Esta crise não surgiu da pandemia do Coronavírus, como muitos imaginam. O mundo já vinha em um processo de desaceleração econômica. Muitos economistas atribuíram esta desaceleração ao conflito comercial entre a China e os EUA”, destaca o economista.

Segundo ele, este é um movimento muito parecido com o da economia brasileira, que também vinha patinando e desacelerando. “A economia brasileira além de não ter conseguido se recuperar da crise dos anos 2015-2016, cresceu menos em 2019 do que nos, já minguados, anos de 2017 e 2018”, afirma.

Para Dantas, isto nos faz crer que a crise manifestada recentemente não surgiu como um raio em um céu azul, assim como em nenhuma outra crise econômica na história. Ele explica que o comportamento da economia é cíclico, isto é, há momentos de crescimento, quando se chega ao ápice econômico, o que é sucedido por um período de desaceleração (onde estávamos) e terminado com uma crise e uma depressão. Este ciclo, geralmente, dura dez anos, ou seja, a cada mais ou menos dez anos temos uma nova crise, mas nem sempre tão fortes quanto as de 2008 e 2020. Tendo tudo isto em vista, Dantas cita dois dias que nos explicam o estopim da atual crise econômica, os dias 9 e 11 de março de 2020.

“No primeiro dia assistimos o início do conflito entre Rússia e Arábia Saudita. Poucos dias antes, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) havia decidido por diminuir a produção de petróleo para assegurar os preços desta commodity, pois, como já vimos, a economia já não estava tão bem, e economia ruim é igual a preço de petróleo baixo. No entanto, a Rússia não aceitou a decisão da OPEP, se recusando a diminuir sua produção. Isto fez com que a Arábia Saudita, através da sua petrolífera estatal, Aramco, decidisse por abarrotar o mercado mundial com petróleo, ao mesmo tempo em que diminuiria o seu preço. Como consequência, vimos o preço do barril de petróleo cair 24,1% em um único dia (segundo a Petrobras, o preço médio do barril de petróleo no ano de 2019 foi de US$ 64,3, duas vezes e meia o valor atual), e – sem resolver o conflito e com o agravamento da crise econômica – o valor deverá continua a cair. Alguns analistas já colocam esta crise do petróleo como a pior situação do setor há pelo menos 100 anos!”, explica.

Segundo ele, como efeito no Brasil, vimos a imediata queda da bolsa de valores, puxada principalmente pela perda de valor de mercado da Petrobras, em mais de 90 bilhões de reais. “Lembremos que o Brasil, hoje, é um dos maiores produtores de petróleo do mundo, o que aumenta a sensibilidade do país à montanha russa do preço do barril de petróleo”, destacou.

Agora vamos para o segundo dia. Quarta-feira, dia 11, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou estado de pandemia por conta do Coronavírus, quando o número de infectados no mundo já atingia os 128,4 mil. O combate ao vírus tem um impacto econômico direto. “A China, país em que o vírus surgiu, publicou recentemente seus dados sobre produção industrial de janeiro e fevereiro deste ano, indicando uma queda de 13,5% em relação ao ano anterior. Pensemos isto em escala global. Trump já declarou que possivelmente os EUA entrará em recessão neste ano, assim como já há previsão para isto também no Brasil – o próprio Banco Central do Brasil já diz que a previsão para o PIB de 2020 é de 0%. Isto ocorre, primeiramente, porque a produção industrial para, mas também porque a circulação de pessoas diminui, parando assim a economia tanto pelo lado a oferta quanto pelo lado da demanda. E isto ocorre em uma economia que já estava fraca”, relata.

Danta comenta que, a partir disto, tivemos quedas históricas na bolsa de valores brasileira, a B3 (antiga Bovespa) e altas históricas no dólar. A primeira ocorreu por conta do novo cenário econômico, com perda de valores das empresas e expectativas sobre a atividade econômica, principalmente de empresas dos setores mais atingidos, como de petróleo (Petrobras), turismo (CVC) e aviação (Azul). “Muitos estrangeiros tiraram dinheiro da bolsa para levarem para seus países ou para países com maior “confiança”, tal como os EUA. As desvalorizações ocorreram não só no Brasil, na quinta-feira, 12, as bolsas de valores do mundo tiveram o pior pregão desde 19 de outubro de 1987, período conhecido como Segunda-Feira Negra, no qual o índice Dow Jones, da Bolsa de Nova York, desabou 22,61%. Mas o que chama a atenção é que o Brasil teve desvalorizações mais fortes do que a maioria dos outros países. E isto nos liga à outra questão, a do dólar. Com a saída de dinheiro do país, a demanda pela moeda americana aumenta, fazendo subir o câmbio”, disse. No dia 16 de março o dólar fechou, pela primeira vez, acima do valor nominal de R$ 5,00, e uma semana depois atingiu a sua máxima nominal, de R$ 5,14. Apesar de não ter ultrapassado o maior valor real (se considerarmos a inflação) da história, que ocorreu em 2002, quando o dólar chegou a um valor próximo de R$ 7,50 em valores atuais, este é um câmbio extremamente problemático, sintoma de uma economia de onde todos estão fugindo, e o mercado, segundo o Boletim Focus (do Banco Central do Brasil), prevê que nos próximos 3 anos o valor do dólar continuará acima dos 4 reais – entre R$ 4,23 e R$ 4,50).

“Conhecendo um diagnóstico desta crise, é possível entendermos melhor quais são as possibilidades de formas de combate à crise da mesma. É uma crise econômica que vem junto a uma crise de saúde e social, sem paralelos neste último século. Ela não se inicia com o Coronavírus, e nem surge como uma crise financeira, tal qual a de 2008. Dar dinheiro à bancos, como a medida adotada pelo Banco Central, não faz nenhum sentido, muito menos “emprestando” R$ 670 bilhões a eles. Neste momento temos que garantir renda para as pessoas, para todas aquelas que – como quase a metade da força de trabalho brasileira – atuam na informalidade, e com a paralisação necessária para o combate ao vírus, não terão dinheiro para sobreviver, mas não apenas R$ 200 ou R$ 300 para aqueles que se encaixam em situação de pobreza, tal como a política que o governo anunciou”, defendeu. Para Dantas, é necessária uma linha bilionária de crédito do BNDES para micro e pequenos empresários, que vivem unicamente do seu trabalho, com taxa de juros zero e com tempo de carência de ao menos um ano, para que consigam sobreviver à esta crise e que tenham tempo de se reestabelecer antes de pagarem este empréstimo. Uma política econômica que não faça as pessoas terem que escolher entre morrer de fome ou do vírus.

“No entanto, o seu financiamento não passa por diminuir ainda mais os salários dos servidores públicos, os eternos bode expiatórios, como propôs o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, sugerindo o corte de 20% dos salários dos servidores federais, ou como propôs um grupo liberal chamado Livres, com um corte de 30% nos salários dos servidores municipais, estaduais e federais. Este discurso se fortalecerá com a perda da arrecadação pública”, afirma.

De acordo com o economista, a arrecadação deve ser feita a partir de medidas que taxem os super ricos, e não sufocar ainda mais os que vivem com salários já rebaixados. Tal como propôs a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) e outras organizações, devemos criar o Imposto sobre Grandes Fortunas, Contribuição Social Sobre Altas Rendas das Pessoas Físicas, Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre os setores financeiro e extrativista mineral e Imposto de Renda decorrente da cobrança sobre lucros e dividendos distribuídos a pessoas físicas. “Segundo as organizações, isto arrecadaria anualmente R$ 272 bilhões. Aliado ao redirecionamento adequado da política do Banco Central, isto já seria o suficiente para combater o empobrecimento dos brasileiros em meio à esta crise e salvar a economia e as dezenas (ou centenas?) de milhares de vidas no Brasil”, destaca.

 

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