Em meio à pandemia, desemprego, inflação, aumento da desigualdade e ultraliberalismo afundam o Brasil

Alguns comemoram que a economia brasileira voltou a crescer, retomando níveis de atividades econômicas de 2019, ou seja, voltando aos níveis pré-pandemia. Para o 1º trimestre de 2021, o IBGE anunciou no início de janeiro que o PIB cresceu 1,2% em relação ao trimestre imediatamente anterior. No entanto, este crescimento econômico foi muito concentrado na Agropecuária (+5,7%) e na Indústria Extrativa (+3,2%). No setor de Serviços (maior empregador do país) e na de Indústria de Transformação (emprego com salários mais elevados), houve desempenhos ruins, o primeiro com um crescimento de apenas 0,4% e o segundo com queda de 0,5%.

O Brasil cresce, mas cresce apenas para alguns. Bancos, extrativistas e o agro (estes dois últimos por ocasião do super ciclo de aumento do preço das commodities) estão ganhando dinheiro a rodo, mas para a maior parte da população isto é apenas uma longínqua notícia de jornal.

Segundo a PNAD Contínua para o trimestre que se encerra em abril deste ano, mantemos pela segunda vez seguida o recorde de desemprego, 14,7%, ou 14,8 milhões de pessoas desocupadas. Se compararmos com o mesmo trimestre do ano passado, a subutilização da força de trabalho cresceu em 4,1 pontos percentuais; a população fora da força de trabalho cresceu 7,7%; o contingente de desalentos (aqueles que estavam fora da força de trabalho por terem desistido de procurar emprego, mas caso encontrassem algum trabalhariam) subiu 18,7%; o rendimento médio real habitualmente recebido em todos os trabalhos caiu 1,5%; e a massa de rendimento real habitualmente recebido em todos os trabalhos caiu 5,4%, o que representou o desaparecimento de R$ 12,1 bilhões na renda do trabalhador brasileiro.

Além disto, a inflação também está batendo recordes. Neste mês de maio, o IPCA-IBGE indicou a maior inflação para o mês em 25 anos, com 0,83%. No acumulado dos 12 meses, o índice ficou em 8,06%. O que mais encareceu neste período foi Transporte (+14,94%), puxado principalmente pelo aumento dos combustíveis em 47,49%, Artigos de Residência (+12,59%) e Alimentação (+12,54%). No mês de maio, especificamente, tivemos um aumento de 5,37% da energia elétrica, pois passou a vigorar a bandeira tarifária vermelha (entre janeiro e abril já estávamos na bandeira amarela, e há poucos dias já anunciaram o aumento de mais 52%). Como podemos perceber no nosso dia-a-dia, a maior parte da inflação é “importada”. O grande aumento das commodities impactaram tanto na alimentação, quanto no posto de gasolina. Óleos e gorduras (+56,49%) Carnes (+38%), Cereais, leguminosas e oleaginosas (+37,52%), Combustíveis (+47,49%) aparecem no IPCA do IBGE, e têm como causa o aumento dos preços internacionais.

Isto é, mesmo o PIB aumentando, a economia real – aquela do cotidiano das pessoas normais como nós – está na UTI. E a vacina para este mal está longe.

Isto vem intensificando um problema que perpassou toda a pandemia, o aumento da concentração de renda e de riqueza no Brasil.

Não importa qual parâmetro utilizar para mensurar a desigualdade social, o Brasil sempre figurará entre os mais desiguais do mundo. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) para 2018, o Brasil é o 7º país com o maior coeficiente de Gini, atrás apenas de países como África do Sul (1º), Zâmbia (3º) e República Centro-Africana (4º). Se considerarmos a concentração de renda entre o 1% mais rico, no Brasil, esta população concentra 28,3% de toda a renda do país, apenas atrás do Catar – um país absolutista com poder hereditário.

Com a pandemia as desigualdades pioraram ainda mais. A concentração da riqueza no 1% mais rico do Brasil cresceu 2,7 pontos percentuais, segundo estudo do banco suíço Credit Suisse. Estes mais ricos concentram atualmente 49,6% de toda a riqueza do Brasil. Neste estudo, foram analisadas dez grandes economias. O Brasil foi de longe o país que mais viu a riqueza se concentrar nesta parcela – enquanto no nosso país o aumento foi de 2,7 p.p., a média dos outros países foi de aumento de 0,54 p.p., ou seja, no caso brasileiro o aumento na concentração foi de 500% em relação aos outros países. Uma consequência disto foi o aumento no Índice de Gini. Calculado pela FGV Social, o índice passou de 0,642 no primeiro trimestre de 2020 para 0,674 no mesmo período de 2021, o que é considerado “um grande salto de desigualdade”.

De 2015 pra cá, políticas classificadas como neodesenvolvimentistas – isto é, quando o Estado vira um relevante condutor da economia – saíram de cena para a entrada de um infantil e selvagem ultraliberalismo. Desde então, as “reformas necessárias” foram marteladas diariamente (em jornais, portais, programas de TV) como a única verdade e caminho, a única saída para estancar a crise iniciada ainda no ano de 2014. Tivemos PEC do teto dos gastos, aprovação irrestrita da terceirização, reforma trabalhista, reforma da previdência, MP da liberdade econômica, privatizações de estatais, Nova Lei do Gás, autonomia do Banco Central, congelamento de salários de servidores e corte de gastos públicos em geral. E ainda não tivemos a Reforma Administrativa – essa pra líder de governo e ministro nomear quem quiser e demitir funcionário público que for de encontro às roubalheiras – só por conta da crise por qual passa o governo.

Em Cascavel, isto se materializou por exemplo nos achatamentos salariais dos servidores e os ataques à previdência – e aqui me refiro tanto à reforma quanto ao PL 61/20, que suspendia o pagamento previdenciário no ano de 2020. Com a desculpa de seguir a Lei Complementar 173/20, que permitia o não reajuste aos servidores em 2020, a Prefeitura aproveita para acumular uma defasagem salarial acima dos 10%. Isto mesmo sem ter deixado em nenhum momento de aumentar sua arrecadação. Tal como para Bolsonaro e Guedes, o servidor em Cascavel virou um inimigo a ser combatido e empobrecido.

Mesmo com todas as “reformas necessárias”, a variação do PIB anual nestes 6 anos de ultra liberalismo ficou entre -4,1% e +1,1%, o emprego não voltou e a desigualdade subiu. Viver no Brasil hoje ainda é pior do que em 2014. E mesmo com um dos maiores tombos da história em 2020 e com o super ciclo do preço das commodities, em 2021 deveremos crescer 5%, segundo o BC – o que fará nossa economia ser apenas um pouco maior do que ela era em 2019.

Paulo Guedes só tem como saída mais privatizações (como a Eletrobras, que custará bilhões de reais para os consumidores), mais liberalização (cortar regras para empresários), menos direitos (diminuir legislação trabalhista) e mais autoritarismo e patrimonialismo (reforma administrativa). Será que isto fará com que a população brasileira saia do maior patamar de desemprego da série histórica do IBGE? Será que vai diminuir a inflação? Será que fará aumentar a renda de quem vive do seu próprio trabalho? Bolsonaro e Guedes estão com uma janela de oportunidade, a mesma que se abriu para Lula na década de 2000, com o preço dos principais itens de exportação do país nas alturas (soja, petróleo e ferro), mas não há nenhuma política para minimamente “socializar” ganhos e fazer a roda da economia girar.

Vivemos realmente um ultraliberalismo infantil. Para se ter uma ideia do atraso brasileiro, Alejandro Werner (FMI) disse em uma entrevista ao Financial Times que é urgente que na América Latina ricos paguem mais impostos. Mas a Reforma Tributária proposta pelo governo enfrenta isso de frente? Não. A política econômica do governo não faz nada. A Petrobras não investe mais em universidades, não contrata mais empregados, mesmo com brent a quase 80 dólares. Impostos arrecadados com setores exportadores de ferro e soja não são convertidos em transferência de renda e em oportunidade de emprego. Não existe mais BNDES para financiar pequenos empreendimentos. Nem a taxa de juros baixa se manteve.

Como vemos, esse ultraliberalismo está gerando alguns dos cenários mais instáveis do mundo: Líbano, Colômbia, Chile, Brasil. O mundo não está discutindo a extinção dos serviços públicos, dos sindicatos, dos direitos trabalhistas, e sim a sua reconstrução. Até Biden fez campanha pela criação de sindicatos para funcionários da Amazon – e não a sua extinção como Bolsonaro tentou em 2019, pois este é o novo cenário mundial: precarização nas alturas com as empresas de aplicativo que conseguiram burlar todas as legislações trabalhistas do globo.

O sinal está amarelo. Não podemos permitir mais que o Posto Ipiranga nos leve para mais um acidente histórico.

 

Texto de Eric Gil Dantas. Economista do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (Ibeps), é doutor em Ciência Política e assessor econômico do SIPROVEL.

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