Segundo levantamento do Estadão, até agora apenas um estado teve suas aulas retomadas, o Amazonas – primeiro restrito às escolas particulares da capital, e desde esta última segunda-feira ampliou-se para o ensino médio e EJA na rede estadual da capital. O estado de São Paulo e o Distrito Federal já estipularam a data de retorno com alguns critérios. Além destes, ao menos Paraná, Santa Catarina, Maranhão, Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul já anunciaram a intenção de retomar as aulas.
Já em âmbito municipal, pesquisa da Federação Nacional de Prefeitos (FNP) mostra que apenas 15% dos municípios do país iniciaram ações concretas para o retorno às aulas.
O retorno na rede estadual de Manaus mostra a total precipitação quanto à esta política, mesmo em um estado onde a curva de contágio já está desacelerada. A volta de 110 mil alunos em 123 escolas públicas foi marcada por denúncias de descumprimento de regras de distanciamento social e pelo início da greve de professores e pedagogos, que estão com muito medo do resultado mortífero e catastrófico deste caos. Com certeza, isto fará voltar o crescimento da contaminação em um dos estados onde a Covid-19 foi mais cruel.
Outros estados dizem ter um plano mais “sério” de retomada das aulas, como São Paulo e Paraná. São Paulo adiou para outubro, o que mostra que o retorno não é nada fácil. No Paraná a volta, segundo o secretário de Educação, será em setembro. Com um protocolo sendo composto de um ensino híbrido, dividido entre aulas presenciais e online, uma volta escalonada, mas dando às famílias o direito de escolher se os filhos retornarão às escolas. Lembrando que ainda estamos no auge das contaminações, com nenhuma prova de que no mês que vem a história seja outra.
É difícil comparar o Brasil, que está no auge da pandemia, com outros países que já controlaram a doença, como os países asiáticos e europeus. A própria OMS declarou que a volta às aulas deveria ser discutida estritamente em países onde a pandemia está controlada, o que não é nem de perto o caso brasileiro. Mas mesmo lá, com uma realidade pandêmica e social muito diferente, os efeitos do retorno às aulas não são consenso.
Pesquisa publicada no mês passado[1], com quase 60 mil pessoas na Coreia do Sul, apontou para os riscos de retorno às aulas, devido ao potencial de transmissão do vírus por pessoas de 10 a 19 anos. Já em Israel, uma tentativa de retorno às aulas em maio – aliado a uma imensa onda de calor e a necessária utilização de ar condicionados nas escolas – fez as contaminações pelo Covid-19 aumentarem. Em uma escola israelense[2], dois alunos contaminados transmitiram o vírus para outras 177 pessoas dentro da escola (153 estudantes e 25 trabalhadores), mesmo a escola sendo fechada 2 dias depois desta primeira contaminação. Contando parentes e amigos, o contágio pulou para 260. Isto em um dos países mais ricos do mundo.
As pesquisas de opinião mostram que os pais sabem deste problema. Segundo pesquisa do PoderData feita em agosto, 76% dos brasileiros desaprovam a volta às aulas presenciais neste momento. Só 19% acham que é hora de reabrir as escolas. O mesmo número encontrado pelo Datafolha, em junho, onde para os mesmos 76% as escolas deveriam ficar fechadas ao menos pelos dois meses posteriores àquela pesquisa.
A discussão do retorno às aulas no Brasil está sendo pautada fortemente pelas escolas privadas, que estão sofrendo com a pressão financeira da saída dos alunos e com a inadimplência. Os escrúpulos já foram embora há tempos, basta ver a criminosa propaganda paga pelo Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Rio de Janeiro (SinepeRio). Com o mote “o sol tem que brilhar de novo” e questionando a OMS e o isolamento social, baseados unicamente em fake news, os empresários conclamavam a volta dos alunos (ou das mensalidades).
Além disto, também chama a atenção a total ausência do Ministério da Educação, destruído pelos fanáticos bolsonaristas, e que hoje sequer consegue seriamente coordenar o debate e os esforços para saber quando será a hora do retorno e como será. Nunca um voto cobrou tanto o seu preço.
Até agora já são mais de 3,17 milhões de contaminados (oficialmente!) no Brasil, além de mais de 104 mil mortos. Segundo a Folha de São Paulo, a partir do seu modelo estatístico para o acompanhamento da Covid-19, 10 estados (os mais populosos do país) estão em uma curva ainda acelerada de crescimento, 7 estados estão estáveis, 1 desacelerado e 8 em desaceleração (a maior parte no Norte e Nordeste). O Paraná, com 2.516 mortes, é um dos estados que ainda estão com uma curva acelerada. Segundo a Fio Cruz, em Cascavel já foram 5.162 casos e 108 óbitos, o que deixa a cidade em 2º lugar em quantidade de infectados no Paraná, atrás apenas de Curitiba.
Dentro deste contexto, o Siprovel acredita que não é o momento de discutir o retorno às aulas, independentemente de que nível: se federal, estadual ou municipal. Assim como disse a OMS, reabrir as escolas num contexto de ampla transmissão pode piorar o problema. O efeito mais óbvio será o aumento da quantidade de mortes entre profissionais da educação, alunos e seus familiares. É isto que queremos?