O Projeto de Lei (PL) 61/20 foi aprovado em dois turnos, nesta segunda e terça-feira, na Câmara Municipal de Cascavel. O projeto prevê que o município possa suspender o repasse da contribuição previdenciária patronal de 1 de junho a 31 de dezembro de 2020, além dos aportes estabelecidos no plano de amortização atuarial, que iriam para o Instituto de Previdência do Município de Cascavel (IPMC). Esta lei se sustenta na permissão dada pelo Governo Federal através da Lei Complementar 173/20.
Os sindicatos que representam os servidores públicos municipais de Cascavel foram contra desde o início, ganhando grande apoio dos trabalhadores que seriam prejudicados pelo projeto. Primeiramente dissemos que a aposentadoria dos servidores não poderia ser uma “poupança” para a Prefeitura. Era uma divergência de concepções. Enquanto nós defendemos que a aposentadoria do servidor serve para garantir a manutenção material dos trabalhadores que venham a se aposentar, a atitude do Executivo inverte essa lógica, transformando a aposentadoria em uma potencial poupança da Prefeitura, a qual poderia ser utilizada quando achasse conveniente e fosse liberada legalmente para isto.
Segundo, dissemos que sequer o problema se justificaria, pois não houve a queda de arrecadação propagada pela Prefeitura. O leitor pode ir ao próprio site do Portal da Transparência e ver com seus próprios olhos que, de janeiro a junho deste ano, houve uma arrecadação de R$ 554.738.259, 5% a mais (ou R$ 26,3 milhões) do que para o mesmo período do ano anterior. Parte disto explicado pela baixa diminuição do ISS (queda de apenas 3,3%, em relação ao mesmo período do ano anterior), do aumento do IPTU (de 1%) e do aumento das transferências do Governo Federal, com a entrada da primeira parcela de ajuda financeira no valor de R$ 8,35 milhões (no total são quatro parcelas de valores iguais). Obviamente há muito mais detalhes, afinal de contas o ISS e o IPTU juntos equivalem a apenas 18,8% das receitas do município. Mas o que fica claro aqui é que não existe nenhum problema fiscal, nenhuma queda de arrecadação.
Terceiro, lembramos que o município já tem a obrigação de fazer sucessivos aportes anuais, que juntos somam um valor bilionário, para o IPMC, mas mesmo assim acrescentará mais R$ 40 milhões nesta enorme dívida. A Prefeitura, que já deve ao IPMC, deverá mais e mais.
Quarto, isto tudo ocorreu na mesma sessão em que aprovaram a nova alíquota previdenciária de 14%, fruto da Reforma da Previdência, o que – na prática – diminuiu o salário dos servidores, já congelado neste e no próximo ano. O calendário legislativo nos quis pregar uma peça, ao mostrar a terrível contradição entre aumentar a cobrança aos servidores e à Prefeitura – com o discurso do déficit da Previdência – no mesmo dia em que os vereadores dão bandeira branca para que esta mesma receita possa agora ser desviada de sua função de garantir o pagamento das futuras aposentadorias.
Ignorando todas as evidências empíricas, 11 vereadores foram fiéis ao governo e votaram a favor do PL, em uma sessão que faltou uma discussão séria técnica e de concepção de Estado e de Previdência e sobrou discursos rasos e aleatórios.
Na terça-feira, na votação de segundo turno, duas emendas foram propostas. A de número dois, de autoria dos vereadores Paulo Porto e Fernando Hallberg, propunha o óbvio: um gatilho para que, caso houvesse uma queda de arrecadação – utilizando-se como parâmetro a metade da estimativa que a Frente Nacional de Prefeitos prevê para a queda das receitas de municípios de mais de 100 mil habitantes no Brasil, o que dava 4,7% – aí sim o Executivo teria permissão para suspender os repasses ao IPMC.
A outra emenda, de autoria da base do governo, só dizia que este dinheiro teria que ser gasto necessariamente com folha. Bem, mas isto não quer dizer absolutamente nada. Basta o Executivo gastar este valor com pessoal e o dinheiro que iria para esta despesa agora estaria livre para ser gasto com outro item qualquer. Uma inacreditável emenda que não mudava plenamente nada.
A opção exclusivamente pela emenda da base do governo deixou claro que os vereadores que aprovavam a suspensão dos pagamentos ao IPMC em nada estavam preocupados com a saúde financeira do instituto, e nem com a saúde financeira da Prefeitura, que está adiantando consumo futuro, ao jogar para frente esta despesa – mesmo em um momento de total instabilidade econômica. Falta também responsabilidade fiscal.
Na Ciência Política existe um conceito chamado de “ciclos políticos eleitorais”, que é a hipótese de que chefes do Executivo – a cada 4 anos, em nosso caso – aumentam os gastos públicos a fim de crescer suas chances de reeleição. Infelizmente em Cascavel a aposentadoria dos servidores servirão para confirmar a hipótese de que prefeitos, governadores e presidentes estão dispostos a aumentar dívidas e gastar irresponsavelmente para se reelegerem.
Eric Gil Dantas, economista e doutor em Ciência Política, é assessor econômico do Siprovel
Josiane Vendrame, presidente do Siprovel
*Artigo publicado no jornal Gazeta do Paraná