Foi incluído na pauta desta segunda-feira (24), da Câmara Municipal de Cascavel, o Substitutivo ao Projeto de Lei Ordinária 113/2019, que busca instituir a modalidade de ensino domiciliar (homeschooling) em Cascavel. Em abril o projeto chegou a ser pautado, mas teve a discussão adiada. “Somos contra a proposta, do vereador Olavo Santos, porque, além de inconstitucional, ela ignora a escola enquanto rede de proteção, favorece a formação de indivíduos que não compreendem outras culturas, além de não apresentar meios viáveis de implantação, mostrando desconhecimento sobre a realidade da rede de educação”, destacou a presidente do Siprovel, Josiane Maria Vendrame.
Ignorando parecer apresentado pelo Siprovel, em outubro do ano passado, as comissões de Educação e de Justiça e Redação da Câmara Municipal de Cascavel apresentaram parecer favorável ao substitutivo. Além do sindicato, o Conselho Municipal de Educação e a Secretaria Municipal de Educação se posicionaram contra a proposta. “Convocamos toda a categoria para que, como educadores, esclareçam aos vereadores os riscos que envolvem a proposta do vereador Olavo Santos. Agora, se o substitutivo chegar a ser aprovado na Câmara, confiamos na coerência do prefeito Leonaldo Paranhos em vetar a proposta já desaconselhada pela sua secretária de Educação, Marcia Baldini, cujo trabalho Paranhos já demonstrou confiar”, ressaltou Vendrame.
Inconstitucional
O parecer, elaborado pela assessoria jurídica do sindicato, aponta que, com base na Constituição Federal, compete privativamente à União legislar sobre normal gerais do sistema de educação (diretrizes e bases da educação nacional) “e, por isso, não há legitimidade por parte do Poder Executivo Municipal ou de integrantes da Câmara de Vereadores para legislar sobre esta matéria, ou seja, sobre Educação Domiciliar (Homeschooling) sem que haja Lei Federal que a regulamente”, destaca o parecer. O sindicato ainda ressalta que existe incompatibilidade entre a educação domiciliar e os dispositivos constitucionais, dentre eles, os que dispõem sobre o dever dos pais de matricular os filhos e da frequência à escola.
A evidência destes elementos, está no fato de que em maio do ano passado, o plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu pela maioria dos ministros da corte pela inconstitucionalidade do ensino domiciliar, em razão de sua incompatibilidade com dispositivos constitucionais. “Já no que diz respeito à formação da cidadania, o ministro Ricardo Lewandowski ressaltou a importância da educação como forma de construção da cidadania e da vida pública, por meio do engajamento dos indivíduos, numa perspectiva de cidadania ativa”, destaca o texto.
Além de Alécio Espínola, presidente da Casa de Leis, receberam na ocasião o parecer: o proponente do projeto, Olavo Santos; o prefeito Leonaldo Paranhos; a secretária de Educação, Márcia Baldini; Marília Montiel Coutinho, presidente do Conselho Municipal de Educação; e o promotor de justiça Luciano Machado, da 8º Promotoria Pública da Comarca de Cascavel.
Executivo é contra
O Siprovel não foi o único a manifestar-se contrário à proposta. A Secretária de Educação de Cascavel, Márcia Aparecida Baldini, em ofício enviado ao presidente da Comissão de Educação, Carlinhos de Oliveira, destacou que “pelo exposto, vindo o PL n° 113/2019 a adentrar o ordenamento jurídico municipal estará, não somente, inovando na seara educacional (o que é proibido na via municipal) como, também, poderá colocar a municipalidade em situação precária de inequívoco dano ao erário, haja vista a judicialização do caso, a contar pela manifestação da Promotoria de Justiça desta comarca por ocasião de Audiência Pública sobre a temática”, afirmou a secretária ao referir-se à audiência pública sobre o tema, realizada em dezembro do ano passado na Câmara Municipal.
Márcia Baldini ainda ressaltou “eventual dano futuro a escolarização dos alunos quando em idade de frequentar o Ensino Fundamental II, competência estadual, pois o alunos não irá possuir histórico escolar, impedindo sua continuidade nos estudos, além de, por ricochete, estar a desmerecer o cargo profissional do professor, que busca a cada dia constituir-se como ser docente, podendo, por fim, importar em responsabilidade do Gestor Municipal, nos termos do artigo 208 da Constituição Federal Brasileira”.
O CME também
O Conselho Municipal de Educação, representado pela sua então presidente Marilia Maria Montiel Coutinho, também posicionou-se de forma contrária, recomendando que “haja esforça da Comissão de Educação desta Casa Legislativa para que, ao preservar o direito legislar de V. Exa. Vereador Olavo Santos garantido na Constituição Federal e reconhecido por este colegiado, não viole o “princípio da prioridade absoluta” das crianças e adolescentes do nosso Município segundo o Artigo 277 da CF/1988 que consagra ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Pedagogicamente falando
O vereador (e doutor em Educação) Paulo Porto, voto vencido na comissão de Educação, apresentou parecer contrário, ao considerar que tal projeto apresenta uma série de problemas de ordem técnica e pedagógica para que seja, de fato, implementado. “O projeto em questão desobriga a família a matricular a criança em instituição de ensino e delega ao Poder Público Municipal o acompanhamento do desenvolvimento dos estudantes. Ainda versa sobre um Certificado de Educação Domiciliar, a ser concedido pelo Município para que a família comprove a matrícula e regularidade educacional da criança. Neste caso surgiram questionamentos sobre a validade de tal documento emitido pelo município, uma vez que o Ministério da Educação e também a Secretaria Estadual de Educação do Estado do Paraná não possuem legislação e departamento que verse sobre Educação Domiciliar (lembrando aqui que a educação de maneira geral é interligada)”, destaca.
Em seguida, Porto apresenta uma série de questionamentos: “Caso essa criança mude de cidade com sua família outro município aceitaria tal documento como válido para comprovação de estudos? Como essa criança continuaria os estudos caso este novo município não possuísse legislação sobre o assunto? Como o Estado não possui normativa sobre educação domiciliar após o Fundamental I, o que garantiria à criança continuidade da educação domiciliar? O Governo do Paraná via Secretaria Estadual de Educação convalidaria tal Certificado emitido por Cascavel?”. A proposta não esclarece nenhuma destas situações.
“Ressaltamos os graves problemas de ordem pedagógica, principalmente no que tange a transmissão dos conhecimentos científicos, artísticos, filosóficos, além, da função socializadora da escola. Nos causa estranheza que vereadores eleitos em um sistema democrático não façam a defesa dos princípios constitucionais da formação integral e da socialização das crianças. Acreditamos que os vereadores poderiam preocupar-se com os problemas reais da educação municipal e contribuir de forma qualitativa com a mesma”, acrescenta a presidente do Siprovel.
CONFIRA O TEXTO, PARECERES E ACOMPANHE A TRAMITAÇÃO DA PROPOSTA CLICANDO AQUI